A Plínio Marcos
Meu nome é Neusa Sueli.
Na verdade, esse não é o meu nome. O meu nome verdadeiro é Ancelma Soares da
Silva. Mas esse não ia soar bem na zona.
A zona é o meu ganha
pão, porque é lá que eu consigo o dinheiro pra pagar umas contas, comprar uns
trapos, comer e dormir.
Eu sou Neusa Sueli
desde que me mudei pra São Paulo, há um tempo, tem uns quinze anos. Antes,
morava no interior do estado, região de Capão Bonito. Quando cheguei na região
de Francisco Morato, uma garota da casa em que eu morei durante dois anos me
falou ‘Se você vai ficar aqui, tem que mudar de nome. ninguém quer comer a
Nelma’ – nem sabia meu nome. Eu disse: Ancelma. ‘Pois é, ninguém quer comer uma
Ancelma’, ela disse. Daí surgiu na hora a Neusa Sueli.
Antes de vir pra São
Paulo, eu morei com minha mãe, meu pai e minha irmã. Família mesmo, só minha
irmã. Minha mãe era esquisita, não falava muito e quando alguém falava dela era
sempre rindo pelos cantos. Ela até que tentava se arranjar: limpava casa,
lavava e passava pros outros. O pai era um safado. Não saía do bar a noite
toda, bebia e jogava, depois chegava em casa fedendo e gritando com todo mundo.
Quem estivesse na frente levava bordoada na cabeça. Como eu queria matar o
desgraçado! Se voltasse lá hoje, e ele estivesse vivo, acho que eu matava o sem
vergonha. Ele batia na minha mãe, em mim, na minha irmã sem piedade. Homem é
tudo igual.
Meu primeiro sonho na
vida, eu realizei. Foi sair de casa. Com quatorze anos, conheci lá nas minha
bandas um viado que fazia e arrasava. O danado sabia de tudo que rolava na
cidade. Quando eu levei ele lá em casa, o filho da puta do meu pai xingou na
cara larga. “Que porra é essa aqui? Agora é casa de galinha e de bichona da rua
esse caralho?” É claro que eu defendi o Valtinho. Ele era meu amigo, afinal. A
gente rodava a cidade toda noite. Ele me apresentou todos os botecos, os cantos
mais escondidos das redondezas. Eu saia com ele sem um puto no bolso e voltava
pra casa bebinha. Viadão conhecia todo mundo e dava só pros caras que pagavam. Quando
chegava em casa de manhã, fingia que estava já me arrumando pra ir pra escola.
O pai porco bêbado e a mãe arrasada de apanhar nem percebiam. Pelo menos, eu
dava uma aliviada daquela situação.
Aí, eu comecei a ganhar
uns trocados na rua, já que era difícil conseguir qualquer trabalho. Eu
precisava comprar roupa pra mim e queria ajudar também a minha irmã, que às
vezes lavava roupa dos outros com a minha mãe e nunca tinha nada pra ela. Um dia,
um ofereceu uns trocados pra eu pegar no pau dele depois de me olhar um tempão dançando
com o Valtinho numa boate que ficava na estrada, perto da saída da cidade. Até
então, eu só tinha beijado na boca e pegado por cima da calça dos meninos da
escola ou da minha rua. Eu aceitei, porque não tinha dinheiro nem carona pra ir
embora naquele dia. Fomos pro carro dele e eu, toda nervosa e um pouco bêbada,
dei a minha mão que ele colocou por dentro do zíper que já estava aberto.
Depois ele tirou pra fora e continuou fazendo eu pegar. Quando ele me puxou pra
por a boca, eu gritei “Peraí, cacete! E o dinheiro, você nem me deu o
dinheiro.” Na hora, o porcão tirou do bolso da camisa uma nota de dez reais. Eu
peguei a nota, abri a porta do carro e saí correndo pro bar. Chamei o Valtinho
e rimos muito esse dia. Ai, começou.
No outro dia, ele queria
que eu colocasse na boca e me deu mais dinheiro. Depois disso, outros caras
começaram a pedir também e davam um pouco mais se eu fizesse mais. Quando
começaram a me apontar na rua, eu fiquei incomodada, mas na noite seguinte fazia
de novo.
Um dia, eu saí sem o
meu amigo. A gente estava sempre junto, mas ele não apareceu naquele dia no fim
da tarde. Sumiu o dia inteiro. Então, eu pedi mais uma vez ajuda pra minha
irmã, pra mentir pra minha mãe, que eu ficaria na casa de uma colega e saí. Fiquei
a noite inteira naquela boate, perdi até a noção da bebedeira que eu estava.
Consegui carona pra voltar pra casa mais cedo e, chegando lá, entrando pé ante
pé, tomei o maior susto quando já na cozinha, ouvi aqueles grunhidos no quarto
da mãe. Olhei pela fresta da porta do quarto aberta e vi o velho safado comendo
o meu amigo Valtinho que estava de quatro que nem uma cadela. Ele me viu, mas
continuou gemendo feito que estava no cio.
Fui pro meu quarto,
peguei uma troca de roupa e avisei minha irmã que um dia eu voltava pra buscar
ela. A coitada me disse que a mãe tinha fugido; foi dormir na casa de uma conhecida
depois de uma surra que o pai havia dado nela.
Morei seis meses perto
da boate na saída da cidade, nos fundos da casa do dono da boate. Foi pra ele
que eu dei primeiro em troco de abrigo. Nem me lembro direito como foi, acho
que foi num daqueles dias que eu nem lembrava de nada. E, depois disso, fui
vindo. Então, eu vim pra cá. Uma carona um dia. No outro mais uma. Com
dezessete anos eu estava pela região do centro de São Paulo. Morei uns anos com
umas putas que me ajudaram assim que eu cheguei a fazer o primeiro aborto. Arrumada
num quartinho do centro, com esse cara que eu estou hoje, já tem uns dois anos.
Eu tenho outro sonho
ainda na minha vida ainda. O segundo sonho que tenho e ainda vou conseguir, estou
tentando realizar. Vou juntar uma grana pra pagar os estudos que eu não
terminei e um dia fazer uma faculdade. Quero trazer a minha irmã pra cidade
também, mas não é pra ser puta não. É pra trabalhar. Coisa de gente conhecedora
mesmo, sabe. Mas não é fácil, também. Sabe como é essa vida: judia muito da
gente.